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Estou em uma praia paradisíaca em Bora Bora. A água é azul-turquesa, a
areia é muito branca, o dia está ensolarado. De repente tudo faz
silêncio. Olho para o mar e vejo ondas gigantescas se aproximando.
Vinte, 30, 40 metros de água chegando cada vez mais perto. Saio correndo
para me proteger. Entro em um castelo medieval (?) e tranco as portas,
mas as ondas o destroem. Continuo correndo. Entro em outra casa para me
esconder, mas a maré também a engole. É então que acordo, apenas para
reconhecer minha cama quentinha - e adormecer de novo. Começo a sonhar
outra vez. Agora estou de férias num parque de diversões, cuja grande
atração é a casa mal-assombrada. Lá dentro, leões que andam sobre duas
patas e vestem cartolas e bengalas serão alimentados com bebês humanos.
Angustiada, tento salvar as crianças, mas tudo que consigo é atrair a
atenção dos leões para mim. Mais uma vez, saio correndo para fugir das
feras. Corro tanto que chego ao fim do parque, à beira de um
desfiladeiro. Estou tremendo de medo - e acordo. Foram dois pesadelos na
mesma noite, mas não estou assustada. Nos últimos anos, já fui
enterrada viva, participei de sessões de canibalismo, vi crianças se
matando, comi ratos vivos, fui envenenada e morri centenas de vezes.
Faço parte dos 2 a 6% da população mundial que tem pesadelos
recorrentes, mais de uma vez por semana (no meu caso, quase todos os
dias). Mas sou apenas o exemplo extremo de algo que todo mundo tem:
sonhos ruins - que têm lógica, importância e significado próprios dentro
do delirante mundo dos sonhos.
Ter muitos pesadelos, na
verdade, não é coisa extraordinária. Um dos maiores estudos já feitos
sobre conteúdo dos sonhos, que analisou 500 homens e 500 mulheres,
mostrou que é muito mais comum sentir medo, ansiedade e apreensão
durante a noite do que alegria ou felicidade. E que, em um terço dos
sonhos, a pessoa passa por algum grande "infortúnio": doenças, ameaças,
morte. Elementos sobrenaturais são comuns (alô, leões bípedes de
cartola?). Durante a infância, quase metade das crianças tem pesadelos
todas as semanas. Na vida adulta, as mulheres sofrem mais com eles do
que os homens, e fortes emoções são mais frequentes nos sonhos delas -
57% contra 41%. (Isso faz sentido porque, ao longo do milênios, mulheres
foram vítimas mais frequentes de ataques e violência.) Pesadelos fazem
parte da vida noturna de qualquer pessoa, o que indica que talvez tenham
alguma função evolutiva, e sejam pouco mais do que apenas um capricho
do
cérebro dormindo.
Uma das teorias que explicam a importância dos sonhos ruins vem do
psiquiatra Allan Hobson. Para ele, pesadelos são uma espécie de treino
para situações de perigo. Fomos selecionados durante milhões de anos de
evolução para ter um
cérebro que é naturalmente amedrontado - o que explica, por exemplo, o fato de o
pesadelo
mais comum ser o que envolve algum tipo de perseguição. Ou seja,
aqueles que têm muitos pesadelos estariam em vantagem evolutiva, pois
ficariam mais alertas e preparados na vida real. E, assim, teriam mais
chances de sobrevivência. Neurologicamente, a teoria faz sentido porque
uma das áreas mais ativadas durante o sono REM é a amígdala, aquele
pedacinho do
cérebro
que controla a ansiedade e o sistema de fuga ou luta dos animais. "Quem
tem mais sonhos desagradáveis fica mais regulado emocionalmente", diz
Flávio Aloe, coordenador do Centro Interdepartamental de Estudos do Sono
do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Mas, se existe um fator que os sonhos ruins realmente preveem, é a
personalide. Quem tem pesadelos plausíveis, como não conseguir terminar
uma prova a tempo, por exemplo, costuma ter grande capacidade de
concentração e habilidade para separar o pensamento racional do
emocional. Já as pessoas no outro oposto de personalidade têm
dificuldade em distanciar a razão da emoção, são mais vulneráveis a
situações de estresse, e passam boa parte da vida (acordada) viajando em
pensamentos distantes. Mas nem tudo é ruim. "Quem passa a vida tendo
pesadelos tem tendências artísticas e criativas que não são encontradas
nos outros grupos", diz Patrick McNamara em seu livro Nightmares. São
essas as pessoas agraciadas com sonhos de alienígenas e banquetes
canibais.
Eu mando agora Na teoria, não
faz muita diferença se os seus pesadelos são banais ou esdrúxulos. O que
importa é a sensação desagradável que eles causam. Mas, no limite, se
os pesadelos forem recorrentes ou muito extremos, eles podem ter
consequências negativas para a vida acordada (poucas coisas são piores
do que sonhar que está sendo enterrado vivo, acredite). Pesadelos já
foram associados a depressão, ansiedade crônica, esquizofrenia e até
tendências suicidas. Por isso, não faltam métodos para ajudar a diminuir
os sonhos ruins em casos crônicos. Uma das maneiras mais polêmicas - e
que tem cara de ficção científica - é ensinar à pessoa que sofre de
pesadelos recorrentes a ter sonhos lúcidos. Em outras palavras, é fazer
com que o sonhador reconheça que está sonhando, entenda que todas
aquelas ameaças não passam de criações da mente e tente modificar o
enredo do
sonho
racionalmente. Alguns sonhadores experientes relatam conseguir voar e
fazer sexo quando quiserem, e até escolher o cenário dos sonhos, no
melhor estilo A Origem. E o assustador é que já há estudos que legitimam
seus resultados.
O problema do
sonho
lúcido é comprovar sua existência. Como um cientista pode observá-lo se
ele acontece apenas dentro da cabeça do sonhador? Para isso, Stephen
LaBerge, um psicólogo da Universidade Stanford que dedicou sua vida a
estudar esse fenômeno, encontrou uma solução. Ele pediu que os
voluntários escolhessem o enredo de seus sonhos antes de
dormir
e indicassem com movimentos específicos dos olhos o momento em que
começassem a sonhar (já que o olho não fica paralisado durante a noite).
As ondas cerebrais e os sinais vitais dos voluntários eram medidos a
noite toda. Como num milagre, a partir do momento em que os adormecidos
davam o sinal de que estavam sonhando, as partes do
cérebro
e as reações do corpo combinavam perfeitamente com o tema do sono. Se a
pessoa estivesse correndo, sua respiração ficava ofegante. Se ela
estivesse voando, as áreas do
cérebro ligadas a movimentos espaciais eram acionadas. "Isso explica por que os sonhos parecem reais. Para o
cérebro, eles são reais", diz LaBerge em seu livro Lucid Dreaming. Foi o que ele precisou para ter certeza de que o
sonho lúcido existia.
E o que isso significa para quem sofre de pesadelos constantes? Bem, que daria para afastar os perigos imaginários enquanto o
pesadelo
está acontecendo. Apesar de algumas descobertas de LaBerge ainda serem
questionadas no meio acadêmico, poucos duvidam de que seja possível
saber que se está sonhando (você já deve ter sentido isso também). Daí,
para entender que aquele gremlin mutante que está prestes a comê-lo é
apenas coisa da sua imaginação, é só um passo. Foi o que aconteceu
comigo, involuntariamente, quando percebi que teria pesadelos toda vez
que adormecesse. Certa noite, sonhei que estava caindo. Era uma queda
angustiante, e vi que o chão se aproximava. De repente, percebi que não
era a primeira vez que aquilo acontecia comigo - e que eu estava viva e
que aquilo só poderia ser um
sonho.
Foi o que bastou. Nesse instante diminuí de velocidade e caí suavemente
no chão. Depois desse dia, os sonhos inquietantes não pararam de
aparecer - mas nunca mais deixei que me assustassem.
Como controlar seus sonhos? O especialista Stephen LaBerge dá um passo a passo 1. Faça um diário
Anotar sonhos incentiva você a lembrá-los e prestar atenção quando
ocorrem. Quando estiver acordado, pergunte-se sempre: "Isso é um
sonho?"
2. Saiba que é sonho Durante o
sonho, tente ler objetos: se você não conseguir, é
sonho. Dica: faça o mesmo acordado. Parece bobo, mas ajuda a transformar em ato inconsciente.
3. Redistribua o sono
O último passo é fatal: durma 6 horas; acorde, ande pela casa; durma
mais duas. LaBerge garante que as últimas são ótimas para sonhos
lúcidos.
Para saber mais Nightmares Patrick McNamara, Praeger, 2008.