A ótica é a chave para esta reflexão. Quando estamos muito próximo de um objeto, ele fica desfocado, não o vemos com clareza. Pois o que vemos no nosso céu também não é claro, acredito, por que estamos muito próximos dele. Para percebermos o que há no céu, precisamos de afastamento, precisamos vê-lo por outra perspectiva. E assim, vendo o céu e não mais apenas olhando para ele, podemos perceber que depois do céu, tem outro céu... um céu sem estrelas, e se você afastar-se ainda mais, uma hora sai da Via Láctea. As estrelas vão ficando distantes, confinadas nesse abraço espiral galáctico. Mas ainda vai existir um céu, e ele será pontilhado de outras galáxias. E depois desse céu, tem ainda outro céu. Sem galáxias.
É o que os telescópios captam e o que podemos compreender hoje. Para além das galáxias, o que existe é uma "sopa de radiação", um caldo onipresente, chamada de “radiação cósmica de fundo” na astrofísica. “De fundo” porque permeia tudo o que dá para ver além do domínio das galáxias. Não importa o lado que você aponte um telescópio, essa radiação vai estar lá. Na prática, esta radiação forma as paredes do Universo conhecido, ainda. E foi nessas paredes que acabaram de fazer uma das descobertas mais bonitas da história.
Essas paredes já eram bem conhecidas. Elas são a maior evidência do Big Bang, e, de quebra, a maior amostra de que o senso comum não entende o que realmente foi o Big Bang. Para começar, a explosão que deu origem ao Universo não FOI uma explosão, pelo menos não como conseguimos conceber, ela AINDA É uma explosão. O Big Bang continua big bangando, porque o Cosmos não nos mostra sinal de estabilidade, Eppur si muove.
Vivemos dentro de uma “explosão controlada”. Mais importante: o Big Bang não aconteceu em algum lugar distante nas profundezas do Cosmos. Ele aconteceu exatamente aí, onde você está agora lendo estas reflexões. Ele aconteceu em Roma, em Júpiter e na sua testa - ao mesmo tempo. É que, há 13,7 bilhões de anos, tudo o que existe hoje, aqui, no céu, na Crimeia ou na sua cabeça, estava espremido no mesmo ponto. E do lado de fora desse ponto (e isso ainda frita minhas sinapses...) não existia um “lado de fora”. Não existia nada do que possamos compreender. Todo o espaço e tudo o que preenche o espaço estava contido lá. Tudo mesmo: da energia que forma os átomos do seus cílios ao espaço físico que separa Porto Alegre de Florianópolis – ou a Via Láctea da Galáxia de Andrômeda. Tudo bem apertado, numa quantidade de espaço que caberia na ponta de um alfinete.
O Big Bang foi a expansão dessa quantidade de espaço. E ainda é, já que o espaço continua inflando como uma bexiga descomunal. Essa expansão, por sinal, chegou a ter uma fase especialmente acelerada – um período de trilionésimos de segundo que os astrônomos chamam de “inflação cósmica”. Para localizar melhor: o Big Bang, estritamente falando, foi o momento em que o Universo saiu do nada para virar algo do tamanho de uma partícula subatômica. Depois desse pequeno passo, veio o grande salto: a inflação cósmica. Foi aí que o Universo deixou de ser uma partícula e virou algo parecido com isso que a gente vê à noite pela janela (ainda sem estrelas, ou átomos, ou luz, mas ainda assim algo grande). Essa puberdade cósmica passou rápido. Uma fração de trilionésimo de segundo e já era: o ritmo da expansão voltou ao normal. Mas a inflação deixou rastros, resquícios daquele tempo especial, em que o Universo era uma partícula subatômica.
Foi um desses rastros que o time do astrônomo John M. Kovac, do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian, encontrou no céu do Polo Sul. Eles perceberam “rachaduras” nas paredes do Universo. Ondas, na verdade, permeando a radiação cósmica de fundo.
E aí que está a beleza da coisa. Por causa do seguinte: a ciência sabe que as forças da natureza se manifestam em forma de ondas. O eletromagnetismo, a que mantém os ímãs presos na geladeira e que faz sua mão doer se você dá um soco na mesa (graças à repulsão eletromagnética entre os átomos da sua mão e os da mesa), é feito de ondas. Ondas eletromagnéticas. Outras duas forças, menos nobres, também são feitas de ondas: a nuclear forte, que mantém os quarks unidos na forma de prótons, e a nuclear fraca, a mais figurante de todas, que age na periferia dos átomos. É o que a física quântica provou ao longo do século 20. Mas ficou um buraco nessa história. Ninguém nunca tinha encontrado as ondas que deveriam formar a força mais popular das quatro que existem: a gravidade.
Agora encontraram. É que, se existem ondas visíveis nas paredes do Universo, como os caras do Polo Sul viram, elas devem ser ondas gravitacionais. E provavelmente geradas pela violência da inflação cósmica – dá para imaginá-las como cicatrizes daquele crescimento fulminante. Para todos os efeitos, são fósseis vivos da adolescência tumultuada do Cosmos, marcas do tempo em que o Universo era uma só partícula. E elas também servem para lembrar a gente de algo mais profundo: de que somos tão parte disso tudo quanto na época em que estávamos todos juntos, ali, naquela ponta de alfinete.
Não somos meros observadores do que acontece no Universo. Somos o próprio Universo.